segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Pasta de arquivos

Andava pelo mundo distraída, com os olhos sempre fechados e o coração mais ainda, de tanto egoísmo não enxergou o que eventualmente iria perder, não se importou em saber se o amor era grande ou pequeno, se cabia só a mim ou se faria também parte de ti. Digo-te agora que já não me importa, que o amor era enorme, mas era único e exclusivamente meu. Minha pena agora é tua, não aquela que antes tanto escrevia sobre ti, mas um sentimento triste de dó. Tu que és tão bela, de longe tão perfeita, nunca há de aprender a amar, não estou dizendo que nunca amou, apenas digo com convicção que tu amas errado, como nos filmes, um tipo de amor danificado.Hoje uma das flores que fiz pra ti me deu alguém pra amar, sempre gostei de comparar as mulheres com as flores e com as estrelas. O problema é que no teu céu existem muitas estrelas, mas nenhuma brilha como deveria pois não te amam, nunca amaram. E no meu jardim brota-se uma flor por ano, apenas uma por quem eu tenho que zelar, e se falho espero pacientemente pelo ano seguinte chegar e me trazer grama, sol e água.Por muitas vezes eu me pegava falando a frase “tudo por causa de...” Passei de fato muito tempo procurando a quem culpar. Imaginava os lugares que abrigaram nossos corpos sedentos, as circunstancias tediosas que nos fizeram cometer o primeiro erro, o primeiro beijo, cheguei até a amaldiçoar as camas em que juntos nos deitamos, sempre com o mesmo pensamento: “Tudo por causa de...”.Por ela agora eu estou a pensar no “Tudo graças...” Gracias, agradecimento emocionado por estar no lugar certo e na hora certa, por ter resolvido sair de casa em uma sexta-feira chuvosa, por ter parado naquela casa diferente de um bairro tão distante. Digo gracias ao sarau, a poesia, ao café forte e amargo que ela preparou pra estender minha noite, digo gracias por ouvir aquela voz suave me chamando de poeta, sorrindo diante ao meu nervosismo, estranhamente me sinto leve pela primeira vez em um ano, talvez sejam as borboletas do meu estomago, uma sensação que não poderia ser mais inédita em sua familiaridade. Sinto que talvez a escolha tenha sido certa, ela eu não teria que salvar, nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Nela mora a coragem e a nobreza de um rei, a beleza e a grandiosidade de uma rainha.Por ela também não dormi, tive vergonha quando ela me pediu pra ler minha pasta de arquivos, não havia nem uma hora que ela tinha lido pra mim um dos seus poemas, seguidos de vários outros na sacada alta e escura do seu amigo. Eu sabia que os poemas dela eram bem mais bonitos do que os meus, as folhas que ela leu eram pra mim tão lindas quanto ela, que era linda, linda demais. Tanta lindeza que me fez ter vontade de cantarolar Caetano Veloso pelos cantos da cidade, mas como sempre tive medo daquela perfeição em forma de mulher e fui fugir, me escondi sozinha embaixo de uma coberta porque sabia que ela leria minhas folhas em voz alta, tive medo que não gostassem, ou ainda pior que rissem de mim.Me encolhi na cama do quarto ao lado, enquanto ouvia a sua voz doce declamar um poema que eu tinha escrito pra outra flor, uma flor distante e murcha que não era tão doce quanto eu pensava. O tempo nunca passou mais devagar, as batidas do meu coração acompanhavam a entonação da voz dela. Quando eu estava prestes a explodir, ouvi uma salva de palmas vindo da sala, eram músicos, intelectuais e jovens estudantes elogiando o que eu tinha escrito.Naquele instante meu poema que falava de quermesses não pertencia mais as minhas antigas, tomou pra mim um outro sentido pois não parecia triste. Pela primeira vez eu mostrava um poema pra ser julgado e no momento de glória ele não estava triste, nem melancólico, tornou-se por outra voz algo completamente distante de mágoas ou saudades.Logo vi que meu poema, minha quermesse, meus domingos e meu coração teriam uma nova bela dona, bastava eu criar coragem, caminhar até a sala e conquistar aquele antídoto. Quando abri a porta, a vi sentada no chão em pose de índio, as pernas cruzadas e desnudas mostravam toda sua sensualidade, um sorriso apaixonante estampado na face lhe dava um ar de ingenuidade, uma mistura fatal de tudo que eu sempre quis ver em outra mulher, olhou pra mim e disse:- É lindo, a simplicidade é linda.Quis responder que era dela, que naquela altura do campeonato tudo que era meu ou que viria a ser meu, era também dela. Mas eu gaguejei um “obrigada” e fui até a cozinha me entorpecer de vinho, ela foi atrás e de tanto nervosismos eu quebrei a rolha da garrafa, que rolou pra trás da geladeira após ter ricocheteado na pia e na barriga escultural da nova flor. Ela riu e me disse pra ter calma, mas eu sentia fortes palpitações, mãos geladas e boca seca, meros sintomas da doença que se pega feito resfriado, de uma hora pra outra, sem ter cura imediata, aquela doença que é se apaixonar.Esta só me contaminou uma vez, mas eu ainda lembrava como era, as pernas bambas, a dor no estomago, a falta de sono. Lembrava de toda teoria, mas na pratica tinha me esquecido o quanto era bom e ruim ao mesmo tempo. Ela me pediu pra ler o resto e nós nos sentamos no sofá, a cada virada de página ela falava algo construtivo, e das vezes que gostava muito apenas sorria, como se tivesse certeza de que não precisava falar nada.Naquela noite eu senti que a conhecia a vida toda, como se só o tempo tivesse atrasado aquele encontro simetricamente perfeito, de duas cabeças e almas que pensam e sentem da mesma maneira, e os conceitos todos iguais e as músicas todas parecidas. Ao som da voz dela meus arquivos não contavam mais sobre os meus antigos sofrimentos, parecia que eu tinha escrito tudo aquilo só pra ela ler pra mim, como se o conteúdo não tivesse a menor importância, tudo que eu precisava era ouvir a sua voz.Mas as folhas acabaram e no final ela viu as fotos, malditas fotos que eu teimava em carregar. Reconheceu “por causa de...”discrições que a última foto era a “outra” e então compreendeu que meu jardim não era assim tão inabitado, afastamo-nos e ela olhou pra mim perguntando o que tinha acontecido, por que tinha terminado, mas eu não sabia responder, talvez por causa dessa hesitação comum, sem importância, minha flor mesmo sendo tão inteligente interpretou tudo errado e por culpa da foto fui embora de mãos vazias, mas minha cabeça estava cheia, eu sabia que estava pronta pra podar o meu jardim, arrancar de lá tudo que pra mim era ruim, mas teria que convencer a nova dama de que eu era capaz, de que aquelas folhas eram apenas palavras e nada mais.No caminho de volta pra casa não consegui dormir, gastei aquelas R$ 5,10 e aquela 1:30 pensando em como reverteria aquela cena. Em como retornaria pra vê-la se nem ao menos sabia onde nos encontramos, não anotei nome, nem telefone, nem endereço. Fiquei contando com a sorte, afinal sou um joguete do destino, um Romeu apaixonado e paciente que teria que esperar pelo próximo sarau, pra que suas folhas finalmente se deitassem junto aos novos amantes.
M. Utida

terça-feira, 19 de maio de 2009

My Father's Gun

Uma gaita e uma camiseta velha, foi tudo o que sobrou do meu pai, um eu roubei porque ele nunca nem me emprestava, nunca me deixou chegar perto da sua gaita antiga. Eu tinha poucas lembranças boas com ele, uma delas era quando nós íamos acampar na praia e ele tocava Mr. Bojangles do lado de fora da barraca enquanto eu tentava dormir... Lembro também que papai sempre tentava enfeitar o mundo pra mim, contava suas histórias de monstros e cavaleiros, me ensinava a tocar seus clássicos naquela mesma gaita velha de sempre, nessa época eu ainda tinha medo de chuva e no mundo do meu pai trovão virava sofás sendo arrastados pelo céu, os relâmpagos eram holofotes que chamavam pelo batman ou até por ele mesmo que nesses dias era o meu super herói.
Não importa o que acontecesse nós ainda teriamos o Bob Dylan, não é pai? Adivinha só... aquele show super esperado dele vai acontecer em breve e você não vai me levar e sabe porque pai? porque o senhor agora deve estar chapado e nem deve saber que dia é hoje, mesmo se soubesse não teria dinheiro pra me levar afinal gasta tudo com aquelas putas de industrial, o senhor sabe que isso nunca me incomodou, muito pelo contrário. secretamente desejava que você comesse cada vez mais, quem sabe um dia desses sem camisinha, quem sabe pegasse uma AIDS ou coisa parecida, podia até ser com uma seringa contaminada, então o senhor-meu-ex-herói morreria com o veneno da sua ex-atual-heroína. Eu acho papai que te odiaria menos se você morresse logo, o senhor não acha injusto ficar ai vegetando e dando trabalho pros outros? aposto que nem buscar suas merdas na boca o senhor vai, não é mesmo? Nada disso, não és homem o suficiente, eu vou papai, tenho ido quase todo dia, acho que comecei a ignorar a ética e honra que o vovô tentou me ensinar um dia.
Até fumamos o mesmo cigarro pai, se bobiar até a mesma quantidade, temos o mesmo gosto por mulheres loucas e complicadas e acredito que por homens nosso gosto também seja igual, que nossos olhos são iguais todo mundo sabe, mas o que o senhor não sabe é que o meu romantismo-clichê é seu, sempre foi... E toda a violência, todo o rancor e o ódio em mim são seus papai, invariavelmente sou sua, toda sua pra sempre.
Hoje eu vesti minha camiseta velha, aquela que o senhor fez pra mim pai, o senhor se lembra do "kill bill"? em quantas vezes asisstimos juntos esse filme? Pensei até que seria mais digno puxar o gatilho e acabar com esse sofrimento de uma vez por todas, mas eu ainda tenho a vida inteira papai, e talvez essa seja a única diferença entre nós dois, não estragaria meu futuro lhe concedendo a eutanasia, não papai, o senhor que viva na vergonha e fique sabendo que ninguém morre por amor como você um dia me ensinou, o amor serve pra construir e o senhor não constriu nada, vai morrer pela sua luxuria e não há beleza nisso papai, sua morte não vai ensinar nada pra ninguém e eu não acredito mais nos teus contos e nas tuas histórias de amor.
Ah papai, eu sempre vou até a porta da sua casa, só até a porta porque o senhor tirou minhas chaves de mim no mesmo dia que disse que eu não era mais sua filha, lembra? não faz tanto tempo assim... e eu vou porque ainda te amo a distancia e sei que quando seu corpo ceder ninguém vai me avisar, eu vou pra checar se o senhor ainda tem respirado e hoje eu vesti aquela camiseta papai e fui até sua casa, a sua mãe me disse que o senhor esta no hospital, que bebeu junto com os seus remédios, covardia papai, não mereces minha visita.

M.Utida

O Bife

Queria que ela realmente tivesse cortado os pulsos, tomado toneladas de analgésicos, queria que ela se enforcasse ou se jogasse pela janela. Só assim ficar batendo, esperando e ajoelhando na porta do banheiro teria sido válido pra alguma coisa, caso contrário tudo aquilo seria ainda mais ridículo, mais drama por nada.
Mamãe estava certa quando disse que em breve Marilia ia começar a se parecer cada vez mais com a mãe dela. Segundo o complexo de Édipo, a sina de Marilia seria se tornar igual a minha e pro meu azar ela se tornou um pouco de cada. Mamãe não era suicida e até onde eu sei minha sogra também não.
Eu desconfiava que aquela encenação dramática toda não passava de frescura, mas de qualquer forma decidi não arriscar e chamei a razão de todo aquele choro pra me ajudar naquela situação, e por situação eu digo que não sabia se ela já estava morta. Se estivesse eu saberia o que fazer, arrombaria aquela porta, a colocaria no meu colo e heroicamente ligaria pra meio mundo avisando que Marilia tinha morrido de amor. Não por mim, é claro que não, desconfio que de tanto egoísmo Marilia morreria por ela mesma e convenceria a todos que tinha feito aquilo por falta de amor.
Naquele dia pela primeira vez eu tinha acordado cedo, limpado a casa, busquei seu almoço, ela andava meio doente e eu como sempre tentei cuidar dela com todo o zelo e carinho do mundo, mas Marilia não me deixava ajuda-la, continuei persistindo na tentativa de agrada-la e quase saí no tapa com os operários que também queriam bife ao invés de bolinho de carne, voltei pra casa e tentei acorda-la com beijinhos e piadas sobre a pseudo briga de boteco, ela não sorriu.
Sentei no computador e perdi a fome por culpa da falta de sorrisos, pra falar a verdade já nem me lembrava quando tinha sido a última vez que Marilia sorrira pra mim. Concentrado nos meus e-mails nem percebi que ela tinha descoberto minha mentira, Marilia levantou-se bruscamente, empurrou minha cadeira e se trancou no banheiro. Na primeira meia hora continuei ouvindo seus soluços e quando eles pararam comecei a me preocupar.
Fiquei imaginando o sangue saindo das suas veias, sujando o tapete, manchando as minhas roupas. Chamei a mãe dela pra ajudar e enquanto a esperava chorei lembrando os planos que eu tinha pra Marilia, em nenhum deles estava incluso uma tentativa de suicídio. Marilia disse que só sairia do banheiro quando eu não estivesse em casa, peguei meus cigarros, meus cadernos, algumas músicas e fui pro parque.
No caminho pensei no bife que comprei pro almoço dela gelando em cima da pia, no quanto eu estava ridículo saindo de pijama, no medo que senti de qualquer ira que pudesse vir a me abater. Pensei nos dias em que ela me fez feliz e no quanto eu ainda gostava dela. Sobravam-me cigarros e histórias pra contar, mas meu isqueiro tinha ficado em cima da mesa da sala, minhas lapiseiras também. Sentei no lago e por sorte um pescador qualquer tinha um lápis pra me emprestar.
Enquanto escrevo isso penso na conversa das duas, em como me faz mal ver Marilia sofrer, em como ela consegue ser tão desconsiderada, pensei enfim naquele maldito bife gelando em cima da mesa e no quanto eu chegaria molhado em casa, porque a chuva tinha acabado de começar e já molhava meus papéis em branco.

M. Utida

Macarrão de atum

A festa acabou, o tapete ficou estirado e sujo na grama do meu jardim, ela foi embora de tardezinha quando o sol se pôs porque tinha algum lugar melhor pra ir, alguém melhor pra encontrar, diferente de mim é claro que só tinha o vinho; o pó; a erva e na verdade só precisava dela, drogada ou não, mijando enquanto os outros a filmavam, vomitando enquanto eu tentava dormir, mentindo e iludindo os outros por brincadeira, desafinando na gaita e se achando a maioral... eu precisava dela, de todos seus defeitos e imperfeições, de todos os erros grotescos de gramática dela - se eu não fosse tão arrogante me fingiria de burra pra ela se sobressair -, queria decifrar cada ruga em cada preocupação nas linhas do rosto meio-judeu-meio-italiano dela que mesmo desafinando toda a música do Bob Dylan ainda continuava me encantando, se o violino está para a ópera, a gaita está para o folk enquanto ela estava tocando pra mim.
Minha hora chegou, a dela também... tinha que voltar pra casa porque ela tinha uma casa e não podia ficar viajando pra sempre comigo, ela se foi e me deixou sozinha com um bando de restos e cacos pra limpar.
Naquele dia ela abriu os olhos do meu lado, aqueles olhos de ressaca passaram lentamente curiosos pelas paredes do meu quarto, meio que indignada e sem acreditar que estava ali porque ninguém conseguiu acreditar, era surreal a idéia dela dormindo na minha casa mesmo que sem nenhuma intenção, aliás o plano não podia ser mais inocente: pizza e vinho... A pizza foi devorada numa larica feroz e ficou jogada no meio da sala enquanto a galera viajava no sofá e o vinho sobrou pro dia seguinte, pra embebedar meu domingo com um sentimento que há tempos não me alcançava, acho que foi charmoso pra porra e essa é a boa da verdade... eu, mariana f. 16 anos, morando sozinha "downtown", ultrapassando e desenhando sonhos do mundo inteiro; tentando mostrar pra ela o bucolismo da cidade grande, a beleza alta do meu muro, minha infinita insensatez, idéias malucas e comentários babacas, de qualquer forma ela sempre me achou uma "otária" e não tinha nenhum charme em esticar tapetes branquinhos no barro pra se embebedar de vinho as 11 da manhã. não tem graça até porque o céu estava limpo e nem brincamos de descobrir desenhos em nuvens.
Deitada la embaixo pensei sobre a poeira que só é possível ver a luz do sol, eu não fechei os olhos, vi todas aquelas partículas de poluição e pêlos brancos de tapete grudando nela, eu, o vinho e a poeira não fechamos os olhos e chegamos a conclusão de que ela estava tão louca que não se importaria com a nossa sujeira, nem com as musicas de dor de corno que eu escolhi pra gente ouvir, não se importaria em voltar pra ca quando quisesse, não ia se lembrar que tinha dado risada comigo, nem se lembraria do meu esforço pra agrada-la e não perdoaria m
Minha próxima mancada nem que se eu ajoelhasse um milhão de vezes e não só uma como eu fiz, nem que se eu ajoelhasse nos milhos rosas que ela cuspiu a noite, senti que essa era a última chance de fazer as coisas darem certo e o medo do contrário me abateu imensa e desesperadamente, medo de fazer ou falar qualquer coisa que a fizesse me odiar de novo, pensei em muitas coisas, mas ela se levantou, bateu a poeira e os pêlos da sua camiseta, fez uma limonada, um macarrão de atum, umas batatas fritas e eu fiquei com o vinho e com a poeira pensando se ela teria vontade de voltar ou se sentiria vontade de ficar...
De repente eu vi que ela se importou com a nossa sujeira e com o cheiro de cigarro que ficou nas roupas dela, emprestei meu perfume que um dia ela disse tanto gostar e ela se foi cheirando a mim enquanto eu cheira no espelho imundo do banheiro, com uma nota de dois o pouco tanto de pó que me cabia dela.
M. Utida

Dezembro despedaçado

Se as pessoas realmente são somas de seus detalhes, como poderíamos tentar substitui-las?Não, nenhuma outra garota segura o cigarro como você o faz, nem olha no relógio da mesma maneira que você faz e ninguém nunca vai ser tão encantador quanto você tentar ser, mesmo depois de tanto tempo ainda existem coisas que não mudam nunca... O seu jeito de falar... E o meu é claro, o meu sempre vacilando, o meu continuando a evitar as palavras que não saem pela boca, mas que jorram nos papéis. E os seus olhos... Os mesmos olhos com diferentes olhares, e os meus? Meu Deus os meus... Por que tem que ser sempre tão vago? Pra que tanta covardia?Eu to cansada de pedir desculpas, de ser a estranha da noite, eu peço desculpas por pedir tantas desculpas, e agora eu sinto muito se eu não posso ser um tapa buraco, sinto muito pela possibilidade de você não saber tudo aquilo que todo mundo esta tão cansado de saber, sinto por não ter tido paciência pra ouvir minha melhor amiga desabar do meu lado, mas entenda eu também desabei naquela noite, eu caí com a minha maçã iluminada, como se eu fosse James e o pêssego gigante e se eu contasse tudo que eu vi, iriam me comparar com Edward Bloom, mas não, eu não pesquei um peixe de 100 kilos...Então voltemos a questão da melhor amiga, eu adoro quando ela acorda cedo e vai embora, mas nunca sem me cutucar sutilmente e me beijar as bochechas pra se despedir, e eu adoro a maneira como apesar da minha fantasia de bancário, da minha meia marrom - pra combinar com o colete -, do meu shorts branco broxante e da minha camisa azul toda amassada ela continua tentando me encorajar e me aconselhar, e eu sinto muito, muito mesmo por não deixar, por nunca me abrir e nem te escutar.Naquele sábado a noite eu queria gritar, mas tudo que eu fiz foi pedir por favor. Eu queria ter dito a verdade... Das minhas incertezas que só passaram a ser certas quando eu a vi mais uma vez, mas eu só sentei na varanda tentando disfarçar os meus suspiros, como se não tivesse sido em vão... tentei ser indiferente, fingi que não me importava, e mais uma vez como se não tivesse sido em vão eu fiz listas de músicas que eu queria ouvir durante a noite só pra chegar a conclusão de que certas coisas nunca mudam. Que eu só quero que ela seja feliz apesar de mim, que eu queria vomitar, socar, estapear a cara de quem magoou a minha menina, nem que depois eu tivesse que implorar de joelhos pra que não o fizessem de novo, pra que se importassem com ela pelo menos um pouco do quanto eu me importava, do quanto sempre me importei, e provavelmente nunca vou deixar de me importar, apesar de mim eu só queria ver ela sorrir e sentir que tudo o que tinha acontecido era certo, mas quando se trata de relacionamentos, deveríamos ser sinceros ou nos esconder nas curvas sombrias do silêncio? Como ja diria Ben Gibbard: "Son, fear is the heart of love".
M. Utida

Insight

A maioria das pessoas nega o amor, muitas vezes pelo erro de achar que ainda são jovens, que eventualmente vão conhecer outros maiores e melhores, como vagões de trens aonde pouco importa qual tenha sido escolhido, nós sempre acabamos pensando:- Aposto que o do lado está mais vazio, ventilado, agradável..Eu acho que todos nós perdemos oportunidades de viver grandes amores por pura insegurança, medo e literalmente estupidez. Dessas três categorias acredito ter sido vítima das três e ao mesmo tempo! Ou na verdade o meu vagão de trem, a minha oportunidade ainda não chegou, caso tenha chegado eu posso até me prevenir, pensar sobre aonde exatamente que eu devia ter escolhido sentar, mas ao invés disso pulei fora num piscar de olhos. A insegurança por achar que não poderia estar a altura daquela minha velha rosa de cirrose, a estupidez por não ter imaginado uma alternativa a tempo, e é claro o medo... Ah o medo, como se para mim a vida fosse frágil. Isso é bobeira, desculpa pra não se jogar, pretexto pra fugir, medo que resultava sempre na intenção de me esconder, de me privar.Mas hoje não, hoje a vida me deu um caldo, me derrubou no chão e me abraçou por inteira e eu acordei querendo dizer que amava todo mundo, o que me fez pensar que talvez eu tenha uma cota de amor dentro de mim, e que tudo que eu precisava era distribui-lo um pouco melhor, inclusive pra mim mesma. Outra coisa que eu percebi foi que esperei tempo demais pra que o meu sonho voltasse, quando na verdade o problema é que eu estava sonhando errado, e percebi que parar de viver pra ficar apenas sonhando e idealizando qualquer rosa seja com cirrose ou não é fácil, o difícil mesmo é continuar vivendo, conhecer novos amores, se divertir e existir sem medo algum e ainda conseguir ao mesmo tempo sempre guardar e esperar por aquela rosa, por aquele vagão de trem ou por aquele festival que acontece em época de chuva. O caso é que quando me perguntavam o que eu achava desse troço maluco de amor eu não sabia responder, até hoje não sei responder, parece que de fato essas coisas não se explicam. Amor não é para os fracos, tem gente que não agüenta a dose, não se prepara pro baque que é saber de tudo e ao mesmo tempo não ter a menor idéia de coisa alguma, no meio de tantas dúvidas eu não paro de me perguntar como eu pude não reparar antes que você era bem mais do que eu conseguia sentir? Você gostava de Chico, mas eu não sabia, você amou aquela lá como se fosse a última e foi, mas eu não sabia, e você nunca se importou, mas eu nem imaginava... Você era linda, mas eu não sabia te olhar, como eu pude amar tanto alguém que conheci tão pouco? Nelson Rodrigues manda outro roteiro pra essa minha rodada, decreta que sábado vou estar na estação de trem as seis da tarde, esperando meu amor passar voltando pra casa em uma nova temporada...
M. Utida

17 Anos

Viver codificando imagens em letras foi tudo que eu aprendi, não digo isso apenas pra chocar ou causar piedade, porem quanto mais sei do mundo menos sei de mim mesma.Ando sempre atrasada, uns dias culpo o trânsito, nos outros culpo suicídios no metrô. Suicídios que nunca de fato presenciei, mas vira e mexe penso nisso, olhando a paisagem mórbida da janela do vagão imagino inúteis se atirando da linha amarela só pra atrapalhar o progresso, atrasar os trabalhadores, prender a atenção dos estudantes, todos se tornariam nessa ocasião expectadores da falta alheia de ganância e ambição.Possivelmente não acrescentarei nada para o mundo, nem ao menos 10 minutos de “frisson” geral como faria meu amigo suicida imaginário, mas também acho que não é preciso, a essa altura estaria feliz em apenas viver, mesmo que sem registros, mesmo que sem amores.Não digo que isso não seria triste, porque seria trágico ficar permanentemente desapaixonada pelo mundo, mil vezes o sofrer do que o nada sentir, culpa dos dezesseis que me impuseram essa visão absurdamente romântica da vida.Culpar o romance também é algo que sempre me confortou muito, como diria meu companheiro Albert:Nessa vida é preciso ser macho demais pra se permitir chorar por uma mulher.Eu e meus dezesseis já choramos e muito, não que eu me arrependa disso, pelo contrário... Mas contra a minha vontade meus olhos já secaram e a admiração que antes eu alimentava com tanto carinho morreu de fome, meus planos se distorceram em segundos e aqueles que eu mais amei se tornaram por ausência minha tão desprezíveis quanto aqueles que eu odiei.E com esses dezessete chegando, com essa minha cabeça fervendo de tanto questionar a mim mesmo acabo deixando os parágrafos e as teorias de lado. Talvez seja assim que eu me encare: um bando de idéias, sonhos e alucinações esperando pelo dia de serem compreendidos.A verdade é que não importa se são os dezoito, os dezenove ou até mesmo os vinte anos que eu um dia pretendo fazer, a verdade é que eu vou ser sempre igual, o mesmo cara decente com cinqüenta ou trinta, daqueles que nada conquistam de muito grande na vida porque nem precisam disso, que planejam com cautela cada detalhe de como vão transformar um salário de fome em uma casa com gramado, cachorros e filhos, muitos filhos... Todos parecidos com a mulher que encontrarei um dia desses e amarei pra sempre com a fidelidade de um padre e a paciência de um monge.Sou só um cara prestes a fazer dezessete e que antes dos vinte pretende conhecer o mundo inteiro com um violão nas costas, o tipo que não liga pra futilidades físicas, que tentou, mas não gosta de pagode ou qualquer coisa que tenha a ver com aquilo que todo mundo gosta, e invariavelmente já não pode mais negar que certos movimentos parecem vazios. Essa é a minha palavra preferida: vazio.Não sei bem o que quero, mas sei exatamente aquilo que nunca hei de querer, mil vezes minhas esquisitices ao vazio dos comuns, mil vezes meus incensos, leituras de poesias e planos artisticamente fracassados do que ser um cara normal, do tipo que ao fazer o tal dos dezessete não tinha nenhum sonho além de ganhar um carro pra encher de piriguetes, vira-latas e desclassificadasQuerer mais é lutar mais, quero tocar em uma banda de rock, quero ver as cores dos Stradivarius, criar mais, rir mais, interpretar muito mais, montar um grupo de teatro, quero escrever sobre personagens fictícios, parar de dialogar comigo mesmo porque por mais interessante que eu seja e apesar dos dezessete eu não sou o umbigo do mundo, mas principalmente quero ter forças pra nunca deixar que mudem meu coração ou deixar que digam que meus sonhos são besteiras, desejo ser eternamente mutante. Nesse décimo-sétimo aniversário tudo o que peço é pra ser do tamanho daquilo que vejo.
M. Utida