segunda-feira, 24 de agosto de 2009
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terça-feira, 19 de maio de 2009
My Father's Gun
Uma gaita e uma camiseta velha, foi tudo o que sobrou do meu pai, um eu roubei porque ele nunca nem me emprestava, nunca me deixou chegar perto da sua gaita antiga. Eu tinha poucas lembranças boas com ele, uma delas era quando nós íamos acampar na praia e ele tocava Mr. Bojangles do lado de fora da barraca enquanto eu tentava dormir... Lembro também que papai sempre tentava enfeitar o mundo pra mim, contava suas histórias de monstros e cavaleiros, me ensinava a tocar seus clássicos naquela mesma gaita velha de sempre, nessa época eu ainda tinha medo de chuva e no mundo do meu pai trovão virava sofás sendo arrastados pelo céu, os relâmpagos eram holofotes que chamavam pelo batman ou até por ele mesmo que nesses dias era o meu super herói.
Não importa o que acontecesse nós ainda teriamos o Bob Dylan, não é pai? Adivinha só... aquele show super esperado dele vai acontecer em breve e você não vai me levar e sabe porque pai? porque o senhor agora deve estar chapado e nem deve saber que dia é hoje, mesmo se soubesse não teria dinheiro pra me levar afinal gasta tudo com aquelas putas de industrial, o senhor sabe que isso nunca me incomodou, muito pelo contrário. secretamente desejava que você comesse cada vez mais, quem sabe um dia desses sem camisinha, quem sabe pegasse uma AIDS ou coisa parecida, podia até ser com uma seringa contaminada, então o senhor-meu-ex-herói morreria com o veneno da sua ex-atual-heroína. Eu acho papai que te odiaria menos se você morresse logo, o senhor não acha injusto ficar ai vegetando e dando trabalho pros outros? aposto que nem buscar suas merdas na boca o senhor vai, não é mesmo? Nada disso, não és homem o suficiente, eu vou papai, tenho ido quase todo dia, acho que comecei a ignorar a ética e honra que o vovô tentou me ensinar um dia.
Até fumamos o mesmo cigarro pai, se bobiar até a mesma quantidade, temos o mesmo gosto por mulheres loucas e complicadas e acredito que por homens nosso gosto também seja igual, que nossos olhos são iguais todo mundo sabe, mas o que o senhor não sabe é que o meu romantismo-clichê é seu, sempre foi... E toda a violência, todo o rancor e o ódio em mim são seus papai, invariavelmente sou sua, toda sua pra sempre.
Hoje eu vesti minha camiseta velha, aquela que o senhor fez pra mim pai, o senhor se lembra do "kill bill"? em quantas vezes asisstimos juntos esse filme? Pensei até que seria mais digno puxar o gatilho e acabar com esse sofrimento de uma vez por todas, mas eu ainda tenho a vida inteira papai, e talvez essa seja a única diferença entre nós dois, não estragaria meu futuro lhe concedendo a eutanasia, não papai, o senhor que viva na vergonha e fique sabendo que ninguém morre por amor como você um dia me ensinou, o amor serve pra construir e o senhor não constriu nada, vai morrer pela sua luxuria e não há beleza nisso papai, sua morte não vai ensinar nada pra ninguém e eu não acredito mais nos teus contos e nas tuas histórias de amor.
Ah papai, eu sempre vou até a porta da sua casa, só até a porta porque o senhor tirou minhas chaves de mim no mesmo dia que disse que eu não era mais sua filha, lembra? não faz tanto tempo assim... e eu vou porque ainda te amo a distancia e sei que quando seu corpo ceder ninguém vai me avisar, eu vou pra checar se o senhor ainda tem respirado e hoje eu vesti aquela camiseta papai e fui até sua casa, a sua mãe me disse que o senhor esta no hospital, que bebeu junto com os seus remédios, covardia papai, não mereces minha visita.
O Bife
Queria que ela realmente tivesse cortado os pulsos, tomado toneladas de analgésicos, queria que ela se enforcasse ou se jogasse pela janela. Só assim ficar batendo, esperando e ajoelhando na porta do banheiro teria sido válido pra alguma coisa, caso contrário tudo aquilo seria ainda mais ridículo, mais drama por nada.
Mamãe estava certa quando disse que em breve Marilia ia começar a se parecer cada vez mais com a mãe dela. Segundo o complexo de Édipo, a sina de Marilia seria se tornar igual a minha e pro meu azar ela se tornou um pouco de cada. Mamãe não era suicida e até onde eu sei minha sogra também não.
Eu desconfiava que aquela encenação dramática toda não passava de frescura, mas de qualquer forma decidi não arriscar e chamei a razão de todo aquele choro pra me ajudar naquela situação, e por situação eu digo que não sabia se ela já estava morta. Se estivesse eu saberia o que fazer, arrombaria aquela porta, a colocaria no meu colo e heroicamente ligaria pra meio mundo avisando que Marilia tinha morrido de amor. Não por mim, é claro que não, desconfio que de tanto egoísmo Marilia morreria por ela mesma e convenceria a todos que tinha feito aquilo por falta de amor.
Naquele dia pela primeira vez eu tinha acordado cedo, limpado a casa, busquei seu almoço, ela andava meio doente e eu como sempre tentei cuidar dela com todo o zelo e carinho do mundo, mas Marilia não me deixava ajuda-la, continuei persistindo na tentativa de agrada-la e quase saí no tapa com os operários que também queriam bife ao invés de bolinho de carne, voltei pra casa e tentei acorda-la com beijinhos e piadas sobre a pseudo briga de boteco, ela não sorriu.
Sentei no computador e perdi a fome por culpa da falta de sorrisos, pra falar a verdade já nem me lembrava quando tinha sido a última vez que Marilia sorrira pra mim. Concentrado nos meus e-mails nem percebi que ela tinha descoberto minha mentira, Marilia levantou-se bruscamente, empurrou minha cadeira e se trancou no banheiro. Na primeira meia hora continuei ouvindo seus soluços e quando eles pararam comecei a me preocupar.
Fiquei imaginando o sangue saindo das suas veias, sujando o tapete, manchando as minhas roupas. Chamei a mãe dela pra ajudar e enquanto a esperava chorei lembrando os planos que eu tinha pra Marilia, em nenhum deles estava incluso uma tentativa de suicídio. Marilia disse que só sairia do banheiro quando eu não estivesse em casa, peguei meus cigarros, meus cadernos, algumas músicas e fui pro parque.
No caminho pensei no bife que comprei pro almoço dela gelando em cima da pia, no quanto eu estava ridículo saindo de pijama, no medo que senti de qualquer ira que pudesse vir a me abater. Pensei nos dias em que ela me fez feliz e no quanto eu ainda gostava dela. Sobravam-me cigarros e histórias pra contar, mas meu isqueiro tinha ficado em cima da mesa da sala, minhas lapiseiras também. Sentei no lago e por sorte um pescador qualquer tinha um lápis pra me emprestar.
Enquanto escrevo isso penso na conversa das duas, em como me faz mal ver Marilia sofrer, em como ela consegue ser tão desconsiderada, pensei enfim naquele maldito bife gelando em cima da mesa e no quanto eu chegaria molhado em casa, porque a chuva tinha acabado de começar e já molhava meus papéis em branco.
M. Utida
Macarrão de atum
Minha hora chegou, a dela também... tinha que voltar pra casa porque ela tinha uma casa e não podia ficar viajando pra sempre comigo, ela se foi e me deixou sozinha com um bando de restos e cacos pra limpar.
Naquele dia ela abriu os olhos do meu lado, aqueles olhos de ressaca passaram lentamente curiosos pelas paredes do meu quarto, meio que indignada e sem acreditar que estava ali porque ninguém conseguiu acreditar, era surreal a idéia dela dormindo na minha casa mesmo que sem nenhuma intenção, aliás o plano não podia ser mais inocente: pizza e vinho... A pizza foi devorada numa larica feroz e ficou jogada no meio da sala enquanto a galera viajava no sofá e o vinho sobrou pro dia seguinte, pra embebedar meu domingo com um sentimento que há tempos não me alcançava, acho que foi charmoso pra porra e essa é a boa da verdade... eu, mariana f. 16 anos, morando sozinha "downtown", ultrapassando e desenhando sonhos do mundo inteiro; tentando mostrar pra ela o bucolismo da cidade grande, a beleza alta do meu muro, minha infinita insensatez, idéias malucas e comentários babacas, de qualquer forma ela sempre me achou uma "otária" e não tinha nenhum charme em esticar tapetes branquinhos no barro pra se embebedar de vinho as 11 da manhã. não tem graça até porque o céu estava limpo e nem brincamos de descobrir desenhos em nuvens.
Deitada la embaixo pensei sobre a poeira que só é possível ver a luz do sol, eu não fechei os olhos, vi todas aquelas partículas de poluição e pêlos brancos de tapete grudando nela, eu, o vinho e a poeira não fechamos os olhos e chegamos a conclusão de que ela estava tão louca que não se importaria com a nossa sujeira, nem com as musicas de dor de corno que eu escolhi pra gente ouvir, não se importaria em voltar pra ca quando quisesse, não ia se lembrar que tinha dado risada comigo, nem se lembraria do meu esforço pra agrada-la e não perdoaria m
De repente eu vi que ela se importou com a nossa sujeira e com o cheiro de cigarro que ficou nas roupas dela, emprestei meu perfume que um dia ela disse tanto gostar e ela se foi cheirando a mim enquanto eu cheira no espelho imundo do banheiro, com uma nota de dois o pouco tanto de pó que me cabia dela.
Dezembro despedaçado
Insight
17 Anos
Rascunhos
Penso que seja melhor deixar avisado logo de ínicio que as minhas palavras são só rascunhos, esboços do que poderiam ter sido se eu não tivesse perdido conjunções, confundido tempo, verbos e preposições. Ah sim, me perdi gramaticalmente... culpa dos domingos.Que atire a primeira pedra qualquer neurótico feito eu que não elegeu um dia da semana pra se torturar de saudade, aquele em que tudo aconteceu, o "dia simbólico", a putaria toda de pensar:- Há X dias em tal hora, em um lugar Y...O meu dia Z era domingo, eleito pela massa o mais naturalmente depressivo por N motivos como Faustão, futebol, almoço em família, ressaca geral, índice de assaltos, missas, restaurantes lotados e é claro sem esquecer os grandes shows e festinhas fracassadas que só acontecem nesse dia tão especial, que por coincidência ou não ainda é o meu preferido.Domingo, nome de banda, acordo sempre com teorias ligadas à ela de alguma maneira, o dia em que a conheci, que peedi pra ela ser minha, o dia que ela decidiu se "desprender" de mim. Tudo nela é domingo, eu sou dela, sou a missa dos arrependimentos, eu sou domingo e ele chegou mais uma vez e me arrastou pra outro show fracassado, fiz o que sempre faço, o que todo romântico neurótico faz, andei pela multidão porque continuava não sendo a melhor, mas era ainda a única disposta a fazer tudo aquilo... Ainda, outra teoria ingrata, tudo em mim "é ainda". Sou domingo, sou dela, busco perdão... ainda.Não que eu quisesse tudo aquilo, a procura em si era quase inconsciente, não tinha idéia se pretendia mesmo ir, eu achava que ia, e, eu fui com o coração na mão e uma rosa imaginária na outra, a encontrei quando o cansaço e a desesperança ja tinham por fim me esgotado e me feito forjar uma desistência qualquer, foi nesse instante que meus olhos se cruzaram com os dela na maias doce coincidência que pode coincidir com um domingo. No momento em que me viu correu ao meu encontro e o fez sorrindo, e eu não estou mentindo meu amigo, porque ela sorriu pra mim com uma cara de quem pensa: "Puta que pariu, vê se me erra...", mas sorriu dissimulada e correu ao meu encontro, eu ingênua pensei que era felicidade em me ver, queria saber agora como descrever aquele abraço, as minhas mãos tremiam, um milênio em três segundos.Há quem diga até que eu não retribui aquele carinho, que travei e não a abracei de volta e quem fala anda certo.Ela sabe que não foi falta de vontade, quando consegui entender o que se passava, que era um abraço..., quando senti o corpo dela pressionado contra o meu e tive intenção de retribuir já não dava mais tempo, ela se soltou dos meus braços não envolventes e caminhou pra longe de mim, tão logo seu antigo perfume invadiu meus olhos, ouvidos, pegou nas minhas mãos e ficou nas minhas mangas tão logo foi embora junto com ela, tão rápido e significante quanto a corrida dela ao meu encontro.Três segundos, minha eternidade entretida nos braços de outra, uma que soube retribuir, loira, linda e leviana que ela abraçou por mais vezes, por mais tempo... Talvez nem fosse assim bem o que se diz tradicionalmente linda, mas acho mesmo que até "Queen Latifah" aos meus olhos seria uma diva se estivesse ao lado dela, e eu fico pensando como teria sido se eu tivesse me perdido naquele abraço, mas a única coisa que eu perdi naquele dia foi minha dignidade - que venhamos e convenhamos - eu nunca tive, eu domingo sai correndo, me atrapalhei de novo e pisei na toalha da sua melhor amiga que nunca simpatizou comigo, então ajoelhei e limpei com meu suéter por culpa de um complexo de inferioridade que sempre acabou comigo, eu domingo limparia barro com as minhas camisas, eu-cavalheiro-gentil-imbecil do século XVIII a seu dispor em qualquer dia da semana.
M.Utida
Oposto
Velas Laranjas
Delilah
Ela rabiscava palavras desordenadas no seu caderno porque estava esperando sua vida começar, assim como um bebê que acabara de nascer e esperava pacientemente pela sua primeira palavra, a primeira refeição, o primeiro dia de aula, o primeiro amor que o magoaria e posteriormente todos os outros que ainda viriam pra magoa-lo.Aquela menina na maior parte dos dias era solitária em todos os aspectos que um poeta menor - jovem e estúpido - poderia ser, ela ja tinha perdido as contas de quantas vezes tinha recomeçado do zero, quantas vidas ja tinham passado por ela e a maneira como a garotinha as dividia, por anos diferentes, pelas músicas que ja tocaram-na e especialmente por todos as vezes que ela ja tinha se apaixonado - mesmo achando que só tivesse sido uma - ela sabia que outras viriam, outras que também iriam partir seu coração, e rasgar suas mãos pra que ela pudesse em um ato embriagado de rebeldia escrever seus nomes - de quatro a sete letras - com o próprio sangue no espelho de casa, pois então ainda não completamente sóbria ela limparia tudo com veja vidrex e usaria um bom solvente para apagar o grande amor e o pouco ódio que sentia.Assim como um recem-nascido esperando a primeira palavra que trocaria com sua namorada - mesmo com os pulsos roxos e as mãos cortadas - ela diria que estava ótima, quase feliz porque finalmente sua vida tinha recomeçado - mesmo que medíocre e sem sorriso algum - ela diria que era de verdade, que iria se agarrar sem vontade própria à sua última chance de ter um futuro qualquer, mas no fundo a menina sabia que estaria mentindo, que pra ela futuro ja não existia mais e desejava voltar no tempo pra salvar os vestigios de alegria que ela ja teve, mas não poderia, ao invés de usar seus conhecimentos avançados de física pra construir uma máquina do tempo a menina esperava outro tipo de vida começare acabar em poucos meses, porque agora a menina dividia sua vida por amores.Assim como um ex-detento esperando sua próxima passagem pela polícia, ela esperava pela próxima oportunidade tentadora de jogar tudo pro alto, assim como um inocente espernado pra ser executado na cadeira elétrica, ela esperava ansiosamente pela próxima doença que a tomaria por completo, que a faria tossir sangue e farejar vida no corredor da morte - estreito, escuro e esperançoso - porque da segunda vez que a menina morreu ela lutou pra renascer e voltou mais forte do que era antes ou pelo menos fingia graciosamente para que ninguém se preocupasse com ela.Assim como um bebê idoso ela esperava pela primeira lágrima que cairia depois do seu reencontro e esperava paciente pela primeira refeição que faria sem interromper a si mesmo com falta de apetite, pela vida, pelo que fosse.... E no exato momento ela esperava pelo seu melhor amigo voltar, porque ele tinha saído pra satisfazer desejos carnais, a menina não ficou chateada porque ela faria o mesmo, porque eles eram muito iguais a ponto de quase se entenderem o que muitas vezes machucava, mas ela o amava demais pra ficar chateada ou pra se deixar machucar o suficiente pra não voltar nunca mais.
M.Utida
Ermitão
Dream Brother
Cashback
Só comecei a pensar sexualmente nela quando assisti "cashback" pela quinta vez - duas semanas depois do único beijo que trocamos - antes de ter visto aquele filme tudo era inocente e angelical demais, pensei sobre o tempo, é inevitavel pensar no tempo quando se assiste "cashback" e pensei também nas pernas dela.
O rapaz do filme sempre quis ser pintor e as formas femininas o inspiravam, enquanto ele vagava pelo tempo congelado ia despindo e pintando todas as mulheres, eu nunca vi as pernas dela, mas o fato de eu ter visto em algum lugar que a perna é a parte que Valéria mais gosta nela mesma me fez imaginar suas pernas em tempo irreal, enquanto eu olhava pro teto ia perdendo a noção do que era ou não apropriado de se pensar, se eu soubesse pintar faria um milhão de quadros só com aquelas pernas que eu nunca vi, mas eu só sabia escrever e a falta de contato começava a limitar minhas palavras, transformando lentamente a fascinação em um desejo tosco, podre e semi-platônico.
Queria ser que nem o Ben, controlar o relógio, voltar dias atrás e parar tudo de novo, parar a música mal instrumentada que a banda tentava tocar, parar com as indiretas do nosso amável amigo em comum e impedir a brasa de queimar mais um pouco me deixando cada vez pior, principalmente pararia o tempo pra ver seus olhos - mesmo que eles estivessem fechados -, respeitosamente tiraria os seus sapatos, levantia sua calça até a altura do joelho, tocaria suas pernas recém descobertas com as pontas dos dedos (como uma criança que passa as mãos delicadamente em cima de um bolo de chantilly e tem de ser discreta pra ninguém perceber), pegaria nas suas mãos, subiria até os ombros, beijaria seu pescoço, descobriria finalmente cada linha e cada centímetro daquele corpo inteiro, cada dobra e perfume do seu interminável e sedutor conjunto de pele morena, eu saberia então descrever cada detalhe escondido na sua perfeição.
Esse raciocinio maluco me fez delirar cada vez mais nas minhas projeções, pensei que se um dia tivesse a oportunidade de fazer amor com ela, eu faria devagar, apreciaria cada curva com um tempo só nosso e naquela noite todas as coisas seria nossas, os sentimentos, as sensações, os odores e todos os elementos noturnos seriam nossos, inclusive as estrelas, a lua e os nove planetas alinhados, celebrando junto comigo aquele momento tão único, a primeira vez que Valéria me mostraria suas pernas de ouro, eu a tocaria da mesma maneira, não pela necessidade de discrição, mas pelo prazer da delicadeza.
Poderia pensar em trilhas sonoras, cores de lençóis e dias da semana pra busca-la em qualquer lugar que fosse, mas eu não precisava de nada disso, nenhum recurso sexualmente clichê ajudaria a fazer daquela noite ainda mais especial, só Valéria - linda, nua e virgem - se despindo lentamente como se aquilo fosse um ritual de passagem, como se tirar as roupas fosse mais importante e sensual do que o sexo em si, sonhava com as nossas roupas jogadas no chão, meu cinto marrom se enrrolando na calça jeans dela, pensei no dia seguinte, na cara que ela ia fazer quando acordasse, nos seus cabelos indígenas bagunçados e se ela preferia tomar café na padaria ou ali mesmo na cama de todas as cores do mundo.
M.Utida
A caneta apaixonada
O vento batia forte, eu, minhas canetas e a escada não nos importamos, a folha com o seu nome voava pelo centro, minhas canetas entristeciam e eu paciente dava a volta ao mundo pra encontra-la, acho que minha canea estava apaixonada pela folha, assim como eu estava apaixonada por Valéria, a folha caiu perto dos girassóis da prefeitura, poderia roubar algumas e guardar pra quando a visse de novo - bobagem minha, e se ela não quisesse me ver? Aí seriam outras flores estragando na minha gaveta - a boa da verdade era que se Valéria não quisesse mais me ver, a folha também não veria a minha caneta, eu perderia toda minha mais nova e delicada inspiração e meu mundo de girassóis apodreceria junto a essas folhas mal escritas na minha gaveta da vida.
Estava com meu tênis roxo que tinha levado ela a um estado de mínima euforia, combinava com a minha camiseta também roxa e de mesma tonalidade. Os pedreiros, os velhinhos, os rapazes cultos, todos que passavam pela escada me olhavam estranho, mal sabiam eles que eu estava projetando fantasiosamente meu mais novo romance de morangos, ou, no caso de Valéria meu adorável romance de doce de leite que pelo visto não saíria do papel - sorte da minha caneta que tocava sua amada folha cada vez mais, enquanto eu tocava Valéria cada vez menos - penso até que tudo isso é medo de confirmar a certeza que eu ja tinha: nenhum dos meus planos romanticamente a maravilhosos conquistaria.As pessoas sairam pela porta do teatro, esses me olharam com sorrisos, acho até que sacaram porque eu estava la, por uma questão nobre, talvez a mais nobre de todas: uma questão de amor à terceira vista. Acho mesmo que os expectadores perceberam que se fazia horas que eu estava na escada e se sentia frio ou fome valia a pena, dessa vez e por aquela mulher valeria a pena e eu esperaria o tempo que fosse, inclusive esperava por outra festa de sábado que seria sem graça, outra festa onde não poderia levá-la, preferia dividir um café, catar coquinhos, contar estrelas, ficar sem fazer nada com ela do que ir a essas festas vazias de sábado, trocaria todos meus finais de semana pra poder acompanha-la até sua casa qualquer segunda feira dessas bem comuns.