terça-feira, 19 de maio de 2009

Macarrão de atum

A festa acabou, o tapete ficou estirado e sujo na grama do meu jardim, ela foi embora de tardezinha quando o sol se pôs porque tinha algum lugar melhor pra ir, alguém melhor pra encontrar, diferente de mim é claro que só tinha o vinho; o pó; a erva e na verdade só precisava dela, drogada ou não, mijando enquanto os outros a filmavam, vomitando enquanto eu tentava dormir, mentindo e iludindo os outros por brincadeira, desafinando na gaita e se achando a maioral... eu precisava dela, de todos seus defeitos e imperfeições, de todos os erros grotescos de gramática dela - se eu não fosse tão arrogante me fingiria de burra pra ela se sobressair -, queria decifrar cada ruga em cada preocupação nas linhas do rosto meio-judeu-meio-italiano dela que mesmo desafinando toda a música do Bob Dylan ainda continuava me encantando, se o violino está para a ópera, a gaita está para o folk enquanto ela estava tocando pra mim.
Minha hora chegou, a dela também... tinha que voltar pra casa porque ela tinha uma casa e não podia ficar viajando pra sempre comigo, ela se foi e me deixou sozinha com um bando de restos e cacos pra limpar.
Naquele dia ela abriu os olhos do meu lado, aqueles olhos de ressaca passaram lentamente curiosos pelas paredes do meu quarto, meio que indignada e sem acreditar que estava ali porque ninguém conseguiu acreditar, era surreal a idéia dela dormindo na minha casa mesmo que sem nenhuma intenção, aliás o plano não podia ser mais inocente: pizza e vinho... A pizza foi devorada numa larica feroz e ficou jogada no meio da sala enquanto a galera viajava no sofá e o vinho sobrou pro dia seguinte, pra embebedar meu domingo com um sentimento que há tempos não me alcançava, acho que foi charmoso pra porra e essa é a boa da verdade... eu, mariana f. 16 anos, morando sozinha "downtown", ultrapassando e desenhando sonhos do mundo inteiro; tentando mostrar pra ela o bucolismo da cidade grande, a beleza alta do meu muro, minha infinita insensatez, idéias malucas e comentários babacas, de qualquer forma ela sempre me achou uma "otária" e não tinha nenhum charme em esticar tapetes branquinhos no barro pra se embebedar de vinho as 11 da manhã. não tem graça até porque o céu estava limpo e nem brincamos de descobrir desenhos em nuvens.
Deitada la embaixo pensei sobre a poeira que só é possível ver a luz do sol, eu não fechei os olhos, vi todas aquelas partículas de poluição e pêlos brancos de tapete grudando nela, eu, o vinho e a poeira não fechamos os olhos e chegamos a conclusão de que ela estava tão louca que não se importaria com a nossa sujeira, nem com as musicas de dor de corno que eu escolhi pra gente ouvir, não se importaria em voltar pra ca quando quisesse, não ia se lembrar que tinha dado risada comigo, nem se lembraria do meu esforço pra agrada-la e não perdoaria m
Minha próxima mancada nem que se eu ajoelhasse um milhão de vezes e não só uma como eu fiz, nem que se eu ajoelhasse nos milhos rosas que ela cuspiu a noite, senti que essa era a última chance de fazer as coisas darem certo e o medo do contrário me abateu imensa e desesperadamente, medo de fazer ou falar qualquer coisa que a fizesse me odiar de novo, pensei em muitas coisas, mas ela se levantou, bateu a poeira e os pêlos da sua camiseta, fez uma limonada, um macarrão de atum, umas batatas fritas e eu fiquei com o vinho e com a poeira pensando se ela teria vontade de voltar ou se sentiria vontade de ficar...
De repente eu vi que ela se importou com a nossa sujeira e com o cheiro de cigarro que ficou nas roupas dela, emprestei meu perfume que um dia ela disse tanto gostar e ela se foi cheirando a mim enquanto eu cheira no espelho imundo do banheiro, com uma nota de dois o pouco tanto de pó que me cabia dela.
M. Utida

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