terça-feira, 19 de maio de 2009

Oposto

Ela não soube lidar com o meu perfeccionismo, se chegasse atrasada eu virava a cara, se não me beijasse da maneira como eu gostava era castigada com as minhas amarguras, se me pedisse permissão eu a apedrejaria por odiar a submissão dela.Pensar que eu ainda a teria se soubesse ter sido mais flexível quase consegue me matar, e imaginar ela com outras me deixa doente como se alguém tivesse sugado todo o oxigênio da sala, ou, cortado de leve alguma parte sensível do meu corpo, o chão desaparecia e no meio das minhas rodas repletas de amigos, mesas fartas e sexo à la carte eu ainda penso nela e na maneira como ela deve ficar feia quando está chorando.Pertenciamos a mundos diferentes, eu e ela... os cabelos dela deitaram-se num papelão sujo e era domingo quando meu universo colidiu inexoravelmente com o dela, foi numa praça no centro ouvindo uma banda que ela não conhecia, na hora a ignorância musical dela foi formidável e eu quis dizer que tinha gostado dela desde o início, desde a primeira vez que eu vi seus olhos fechados e sua falta de escrúpulos colaborarem em uma traição, eu quis explicar como me sentia em sua presença, exalando uma segurança que eu não tinha - nunca tive - só pra ela se sentir bem, pra que ela pudesse ter certeza de que eu não queria estar em nenhum outro lugar que não fosse ali com ela; lembrando sempre que nem o "ali" importava porque com ela qualquer sala ou calçadão tornava-se o melhor lugar do mundo (mesmo que estivesse frio, mal iluminado e eu estivesse com medo ainda sim estaria feliz), e qualquer situação por mais constrangedora que fosse com ela ficava bem, como a vez em que ela conheceu mamãe no susto, ou, do gato que tivemos por apenas um dia que nos arranhou e mijou nela, eu quis dizer que a desejava mesmo que ela estivesse fedendo, que queria despi-la no meio da rua e lavar suas roupas à mão, mas eu não disse, nunca disse nada do que eu queria, perto dela minhas palavras e declarações travavam e eu só sabia dizer o contrário do que eu sentia, ou, escrever coisas bonitas que ela nunca leria...E na falta de oxigênio nada carborava direito, meus cigarros pararam de se acender e eu os larguei, tudo o que eu tinha eram os meus livros e as minhas músicas pertencentes ao meu mundo de falso intelecto, imagino que a falta de livros e os projetos de músicas dela tenham sido o que sobrou em seu mundo de pseudo mediocridade.Na falta de chão eu me encontrava sozinha com guardanapos rabiscados com o nome dela, guardanapos que vinham de todos os bares da cidade, papéis rasgados que se desamassavam no meu lixo cor de laranja, tudo aquilo pra me torturar e apontar sem piedade o lugar sem volta e sem ela pra onde eu estava indo.Imaginar que não me importo com quem ela ama ou come é oficialmente uma mentira, pensar que ninguém vai ama-la tanto quanto eu continua me deixando com náuseas e lembrar que ela um dia disse que queria ficar pra sempre comigo me faz desacreditar em qualquer outra que ainda está por vir, me deixa atordoada pensar que duvidei das suas palavras e contestei o gostar dela quando na verdade tudo o que eu quis dizer era que também acreditava secretamente em um pra sempre...
M.Utida

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