terça-feira, 19 de maio de 2009

My Father's Gun

Uma gaita e uma camiseta velha, foi tudo o que sobrou do meu pai, um eu roubei porque ele nunca nem me emprestava, nunca me deixou chegar perto da sua gaita antiga. Eu tinha poucas lembranças boas com ele, uma delas era quando nós íamos acampar na praia e ele tocava Mr. Bojangles do lado de fora da barraca enquanto eu tentava dormir... Lembro também que papai sempre tentava enfeitar o mundo pra mim, contava suas histórias de monstros e cavaleiros, me ensinava a tocar seus clássicos naquela mesma gaita velha de sempre, nessa época eu ainda tinha medo de chuva e no mundo do meu pai trovão virava sofás sendo arrastados pelo céu, os relâmpagos eram holofotes que chamavam pelo batman ou até por ele mesmo que nesses dias era o meu super herói.
Não importa o que acontecesse nós ainda teriamos o Bob Dylan, não é pai? Adivinha só... aquele show super esperado dele vai acontecer em breve e você não vai me levar e sabe porque pai? porque o senhor agora deve estar chapado e nem deve saber que dia é hoje, mesmo se soubesse não teria dinheiro pra me levar afinal gasta tudo com aquelas putas de industrial, o senhor sabe que isso nunca me incomodou, muito pelo contrário. secretamente desejava que você comesse cada vez mais, quem sabe um dia desses sem camisinha, quem sabe pegasse uma AIDS ou coisa parecida, podia até ser com uma seringa contaminada, então o senhor-meu-ex-herói morreria com o veneno da sua ex-atual-heroína. Eu acho papai que te odiaria menos se você morresse logo, o senhor não acha injusto ficar ai vegetando e dando trabalho pros outros? aposto que nem buscar suas merdas na boca o senhor vai, não é mesmo? Nada disso, não és homem o suficiente, eu vou papai, tenho ido quase todo dia, acho que comecei a ignorar a ética e honra que o vovô tentou me ensinar um dia.
Até fumamos o mesmo cigarro pai, se bobiar até a mesma quantidade, temos o mesmo gosto por mulheres loucas e complicadas e acredito que por homens nosso gosto também seja igual, que nossos olhos são iguais todo mundo sabe, mas o que o senhor não sabe é que o meu romantismo-clichê é seu, sempre foi... E toda a violência, todo o rancor e o ódio em mim são seus papai, invariavelmente sou sua, toda sua pra sempre.
Hoje eu vesti minha camiseta velha, aquela que o senhor fez pra mim pai, o senhor se lembra do "kill bill"? em quantas vezes asisstimos juntos esse filme? Pensei até que seria mais digno puxar o gatilho e acabar com esse sofrimento de uma vez por todas, mas eu ainda tenho a vida inteira papai, e talvez essa seja a única diferença entre nós dois, não estragaria meu futuro lhe concedendo a eutanasia, não papai, o senhor que viva na vergonha e fique sabendo que ninguém morre por amor como você um dia me ensinou, o amor serve pra construir e o senhor não constriu nada, vai morrer pela sua luxuria e não há beleza nisso papai, sua morte não vai ensinar nada pra ninguém e eu não acredito mais nos teus contos e nas tuas histórias de amor.
Ah papai, eu sempre vou até a porta da sua casa, só até a porta porque o senhor tirou minhas chaves de mim no mesmo dia que disse que eu não era mais sua filha, lembra? não faz tanto tempo assim... e eu vou porque ainda te amo a distancia e sei que quando seu corpo ceder ninguém vai me avisar, eu vou pra checar se o senhor ainda tem respirado e hoje eu vesti aquela camiseta papai e fui até sua casa, a sua mãe me disse que o senhor esta no hospital, que bebeu junto com os seus remédios, covardia papai, não mereces minha visita.

M.Utida

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