terça-feira, 19 de maio de 2009

Doce de Leite

Era engraçado pensar em como provavelmente aquele docinho de leite marcaria um novo sentimento pra mim, pensar em como eu conseguia me meter em certas situações... No dia anterior ela sorriu pra mim ao entregar o tal docinho e foi aí que eu percebi o quanto ela era especial, o tipo de garota encantada que distribui doces pra maconheiros num buteco de centro, quis consumir aquele sorriso, beijar seus lábios indígenas com uma certa fome de tubarão, com uma delicadeza de menina que ainda tem quinze anos, desejei ter bebido menos, prestado mais atenção nas coisas que ela dizia, queria ter olhado mais vezes nos seus olhos, ter usado menos entorpecentes e ter dito o quanto a achava incrivelmente bonita e diferente de todas as outras mulheres que estavam dividindo a mesma cerveja, ouvindo a mesma banda tocar strokes naquela noite.No dia seguinte peguei o ônibus errado, acho que eu estava distraida pensando no beijo da garota encantada, não sei como e nem porque, mas ela me beijou, o tipo de beijo que eu nunca tive, sem dúvida o melhor do mundo inteiro, o mais doce e adorável beijo que só a menina baiana sabe dar, aquele beijo quase tímido que eu tentei prolongar por mais tempo do que devia, beijo que no final me fez perceber que eu ainda estava de olhos fechados sonhando com os outros que não vieram, adormeci pensando na sorte que eu tinha por tê-la beijado, mesmo que só uma vez, porque aquela única vez foi melhor do que um milhão de outros beijos com qualquer outra pessoa.Acordei no ponto final, na churrascada de sábado dos cobradores e motorista, todos com as suas camisas suadas, amassadas e azuis, tão receptivos e simpáticos dizendo que o próximo ônibus só ia sair dali a uma hora, me convidaram pra tomar suas coca-colas genéricas e comer suas carnes duras de vacas, porcos e frangos grelhados, eu obviamente não queria comer aquilo, passei uma mão atrás da nuca, meti a outra no bolso da minha calça jeans-surrada e achei o doce de leite, e ao achar o doce de leite achei também uma resposta decente pra recusar o convite dos motoristas, olhei de novo pro docinho, sorri de lado e disse que tinha algo a fazer, quis ligar pra ela e dizer que eu não me importava com o que tinha dado errado, dizer que queria vê-la de novo, que andava sonhando com o possível romantismo dela, com as luzes das velas, com tardes de filmes, cantoria a noite e com ela dançando sozinha e linda num tróleibus vazio.Não liguei, acabei mandando umas duas mensagens desejando boa tarde, ou, coisa do tipo, ela não me respondeu. No outro dia cheguei em casa e fui contar sobre ela pro meu gato, fiquei imaginando como ela acharia bobo o jeito com que eu contava tudo pra um felino, o jeito como eu dançava "here comes your man" com ele nos meus braços, não sabia nem se ela gostava de gatos, nem de pixies, nem sabia seu sobrenome, não sabia o motivo pelo qual ela era traumatizada com os "Vinicius" da vida, nem porque as pessoas a chamavam de Vandi, eu não sabia quase nada, a única coisa da qual eu tinha certeza era que ela tinha o melhor beijo do mundo, beijo doce que tinha me encantado, me curado da insônia, me dado uma mínima esperança de felicidade e uma vaga noção do que era estar apaixonada.
M. Utida

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