terça-feira, 19 de maio de 2009

O Bife

Queria que ela realmente tivesse cortado os pulsos, tomado toneladas de analgésicos, queria que ela se enforcasse ou se jogasse pela janela. Só assim ficar batendo, esperando e ajoelhando na porta do banheiro teria sido válido pra alguma coisa, caso contrário tudo aquilo seria ainda mais ridículo, mais drama por nada.
Mamãe estava certa quando disse que em breve Marilia ia começar a se parecer cada vez mais com a mãe dela. Segundo o complexo de Édipo, a sina de Marilia seria se tornar igual a minha e pro meu azar ela se tornou um pouco de cada. Mamãe não era suicida e até onde eu sei minha sogra também não.
Eu desconfiava que aquela encenação dramática toda não passava de frescura, mas de qualquer forma decidi não arriscar e chamei a razão de todo aquele choro pra me ajudar naquela situação, e por situação eu digo que não sabia se ela já estava morta. Se estivesse eu saberia o que fazer, arrombaria aquela porta, a colocaria no meu colo e heroicamente ligaria pra meio mundo avisando que Marilia tinha morrido de amor. Não por mim, é claro que não, desconfio que de tanto egoísmo Marilia morreria por ela mesma e convenceria a todos que tinha feito aquilo por falta de amor.
Naquele dia pela primeira vez eu tinha acordado cedo, limpado a casa, busquei seu almoço, ela andava meio doente e eu como sempre tentei cuidar dela com todo o zelo e carinho do mundo, mas Marilia não me deixava ajuda-la, continuei persistindo na tentativa de agrada-la e quase saí no tapa com os operários que também queriam bife ao invés de bolinho de carne, voltei pra casa e tentei acorda-la com beijinhos e piadas sobre a pseudo briga de boteco, ela não sorriu.
Sentei no computador e perdi a fome por culpa da falta de sorrisos, pra falar a verdade já nem me lembrava quando tinha sido a última vez que Marilia sorrira pra mim. Concentrado nos meus e-mails nem percebi que ela tinha descoberto minha mentira, Marilia levantou-se bruscamente, empurrou minha cadeira e se trancou no banheiro. Na primeira meia hora continuei ouvindo seus soluços e quando eles pararam comecei a me preocupar.
Fiquei imaginando o sangue saindo das suas veias, sujando o tapete, manchando as minhas roupas. Chamei a mãe dela pra ajudar e enquanto a esperava chorei lembrando os planos que eu tinha pra Marilia, em nenhum deles estava incluso uma tentativa de suicídio. Marilia disse que só sairia do banheiro quando eu não estivesse em casa, peguei meus cigarros, meus cadernos, algumas músicas e fui pro parque.
No caminho pensei no bife que comprei pro almoço dela gelando em cima da pia, no quanto eu estava ridículo saindo de pijama, no medo que senti de qualquer ira que pudesse vir a me abater. Pensei nos dias em que ela me fez feliz e no quanto eu ainda gostava dela. Sobravam-me cigarros e histórias pra contar, mas meu isqueiro tinha ficado em cima da mesa da sala, minhas lapiseiras também. Sentei no lago e por sorte um pescador qualquer tinha um lápis pra me emprestar.
Enquanto escrevo isso penso na conversa das duas, em como me faz mal ver Marilia sofrer, em como ela consegue ser tão desconsiderada, pensei enfim naquele maldito bife gelando em cima da mesa e no quanto eu chegaria molhado em casa, porque a chuva tinha acabado de começar e já molhava meus papéis em branco.

M. Utida

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