terça-feira, 19 de maio de 2009

Delilah

Ela rabiscava palavras desordenadas no seu caderno porque estava esperando sua vida começar, assim como um bebê que acabara de nascer e esperava pacientemente pela sua primeira palavra, a primeira refeição, o primeiro dia de aula, o primeiro amor que o magoaria e posteriormente todos os outros que ainda viriam pra magoa-lo.Aquela menina na maior parte dos dias era solitária em todos os aspectos que um poeta menor - jovem e estúpido - poderia ser, ela ja tinha perdido as contas de quantas vezes tinha recomeçado do zero, quantas vidas ja tinham passado por ela e a maneira como a garotinha as dividia, por anos diferentes, pelas músicas que ja tocaram-na e especialmente por todos as vezes que ela ja tinha se apaixonado - mesmo achando que só tivesse sido uma - ela sabia que outras viriam, outras que também iriam partir seu coração, e rasgar suas mãos pra que ela pudesse em um ato embriagado de rebeldia escrever seus nomes - de quatro a sete letras - com o próprio sangue no espelho de casa, pois então ainda não completamente sóbria ela limparia tudo com veja vidrex e usaria um bom solvente para apagar o grande amor e o pouco ódio que sentia.Assim como um recem-nascido esperando a primeira palavra que trocaria com sua namorada - mesmo com os pulsos roxos e as mãos cortadas - ela diria que estava ótima, quase feliz porque finalmente sua vida tinha recomeçado - mesmo que medíocre e sem sorriso algum - ela diria que era de verdade, que iria se agarrar sem vontade própria à sua última chance de ter um futuro qualquer, mas no fundo a menina sabia que estaria mentindo, que pra ela futuro ja não existia mais e desejava voltar no tempo pra salvar os vestigios de alegria que ela ja teve, mas não poderia, ao invés de usar seus conhecimentos avançados de física pra construir uma máquina do tempo a menina esperava outro tipo de vida começare acabar em poucos meses, porque agora a menina dividia sua vida por amores.Assim como um ex-detento esperando sua próxima passagem pela polícia, ela esperava pela próxima oportunidade tentadora de jogar tudo pro alto, assim como um inocente espernado pra ser executado na cadeira elétrica, ela esperava ansiosamente pela próxima doença que a tomaria por completo, que a faria tossir sangue e farejar vida no corredor da morte - estreito, escuro e esperançoso - porque da segunda vez que a menina morreu ela lutou pra renascer e voltou mais forte do que era antes ou pelo menos fingia graciosamente para que ninguém se preocupasse com ela.Assim como um bebê idoso ela esperava pela primeira lágrima que cairia depois do seu reencontro e esperava paciente pela primeira refeição que faria sem interromper a si mesmo com falta de apetite, pela vida, pelo que fosse.... E no exato momento ela esperava pelo seu melhor amigo voltar, porque ele tinha saído pra satisfazer desejos carnais, a menina não ficou chateada porque ela faria o mesmo, porque eles eram muito iguais a ponto de quase se entenderem o que muitas vezes machucava, mas ela o amava demais pra ficar chateada ou pra se deixar machucar o suficiente pra não voltar nunca mais.

M.Utida

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